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Antes da chuva o dia pareceu noite naquela cidadezinha no sertão do Ceará. Tudo escureceu. Eram duas da tarde e as crianças brincavam eufóricas no recreio e algumas me abordavam sorrindo e curiosas para ver as fotos que eu tirava com a câmera que carregava na mão. Ventava forte e eu sentia o espetáculo que antecede a chuva no sertão com curiosidade e muita atenção.

 

Caíam muitas folhas das árvores que chacoalhavam com exuberância, fazendo um som que lembrava chuva mas que nada mais era que folha batendo em folha. Parecia que vinham do céu, algumas levitando pelo pátio, outras rotacionando como se fossem espirais. Uma se enrolou nos meus cabelos, outra pousou na mão de um menino que corria e gritava fora de si, brincando com o vento, correndo atrás dos amigos como se fosse um pássaro.

 

O intervalo estava acabando, as crianças tinham que retornar às salas de aula e nós, que estávamos ali à trabalho, caçando fotos que comporiam uma exposição sobre a seca no sertão, mal podíamos imaginar que na verdade, o grande elemento daquele dia seria a chuva.

 

Nós tínhamos que voltar pra van, mas eu não queria ir embora e ficar naquele suspense típico que antecede grandes espetáculos. Eu queria era ver a chuva no sertão. Eu nem estava preparada, não tinha capa, nem guarda chuva, quem dirá uma caixa estanque que seria provavelmente o mais indicado para a situação, mas eu queria estar ali para fotografar. Abracei a câmera no peito e fiquei ali, como quem não quer nada.

 

As crianças voltaram pra aula e boa parte da equipe com a qual eu estava trabalhando voltou pra van. De repente o pátio da escola ficou vazio e silencioso. Era possível perceber o cheiro de chuva no ar ar, assim como a mudança súbita na luz e no vento. Não faltava muito, a chuva ía desabar .

 

Foi num instante. Quando a chuva começou a cair as crianças saíram correndo das salas como se ... nem sei, ia dizer “como se mundo fosse acabar” mas era justamente o contrário, era como se o mundo fosse começar e eles fossem assistir o Big Ban desde o patio da escola. Fiquei buscando uma situação semelhante para usar como exemplo, mas a verdade é que nunca vi nada assim. A maior euforia e alegria que acredito já ter presenciado em uma escola. 

 

De roupa e tudo correram pra debaixo da chuva sem pensar duas vezes. O parquinho virou um parque aquático com crianças disputando o lugar debaixo da calha por onde escorria a chuva como se fosse uma cascata vinda do céu. Era lindo de ver meninas e meninos correndo pela escola pra tomar banho de chuva. Quando eu perguntei pra um deles se a professora não ia ficar brava por eles estarem todos fora da sala de aula e brincando na chuva, ele me respondeu com naturalidade que não, que quando chovia era sim, virava recreio de novo.

 

Fiquei na escola pelo tempo que durou a chuva. Não lembro bem, mas acho que deve ter sido uma meia hora. Meia hora da chuva mais potente que já vi. Quando a lente da câmera começou a embaçar eu fiquei um pouco preocupada e aí parei de fotografar . A energia das crianças, o êxtase, a alegria que eles externavam transformando aquele momento em uma grande celebração da chuva, foi das coisas mais lindas que eu já vivi.

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